Em uma semana, do dia 31 de maio ao dia 6 de junho, Campinas registrou 871 casos de Covid-19, além de 27 mortes causadas pela doença, números que não impediram o início da reabertura gradual do comércio na última segunda-feira (09). Segundo o coordenador da frente de diagnósticos da Força Tarefa da Unicamp contra a Covid-19, Alessandro Farias , a retomada é preocupante porque não existem dados que justifiquem essa decisão.
“A curva do Brasil não está diminuindo, está aumentando. Não tem nada que diga que talvez valha a pena começar a pensar em abrir. A gente não tem nenhum dado que sustente a reabertura, seja em Campinas, em São Paulo, no Brasil”, avalia o pesquisador.
“(A decisão) É absolutamente temerária, ela não é uma decisão técnica. Qualquer poder, federal, estadual ou Prefeitura, que está decidindo abrir, não é uma decisão técnica. A gente não tem dado. Os dados que a gente tem são absolutamente subnotificados”, completa.
Farias defende que o caminho para fundamentar ações da administração pública é a testagem em massa . De acordo com ele, o único número confiável no Brasil é o de limite para colapso do sistema de saúde, uma vez que se tem o controle exato dos números de UTIs disponíveis em cada cidade. Em Campinas, 143 de um total de 163 leitos de UTI do SUS estão ocupados.
Para traçar estratégias seguras de reabertura, o pesquisador pontua que é preciso identificar o R-zero , valor que indica quantas pessoas um infectado tem potencial para contaminar. Esse número só pode ser calculado com um alto número de testes.
“Você monitora esse R-zero porque você está testando muito. A Alemanha testava 500 mil por semana. Aí você monitora esse R-zero de acordo com seu teste, porque você sabe a evolução do número de infectados e consegue calcular esse R0. Quando esse R-zero fica abaixo de um, uma pessoa passa para menos de uma pessoa, então você pode começar a pensar em abrir. Você abre monitorando o R-zero. A Alemanha, na primeira vez que tentaram relaxar, eles abriram, e o R-zero foi para 1.3, 1.4, e eles fecharam de novo”, explica Alessandro Farias.
Testagem da Prefeitura
A Prefeitura de Campina s começou nesta segunda-feira (08) uma testagem por região, na tentativa de traçar um perfil de contaminação do coronavírus . Apesar do potencial para ser usado como um guia para a aplicação do plano de retomada econômica, o projeto foi definido em paralelo à decisão de reabrir o comércio.
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O total de testes adquiridos pela prefeitura é de 2.068, mas o estudo será feito com amostragem de 1.700, com alguns testes de reserva. O processo está sendo realizado em todas as regiões da cidade, e a escolha das pessoas submetidas é feita por sorteio. Serão feitos 329 testes na região Noroeste, 318 na Sudoeste, 599 na Sul, 388 na Norte e 434 na Sul.
Para Benilton de Sá Carvalho , estatístico da Força Tarefa contra a Covid-19, essa testagem tem potencial para sustentar decisões e, por isso, a reabertura poderia ter esperado pelos resultados para começar com mais segurança.
“Tem capacidade de orientar, sim. A gente precisa ser bem cauteloso na hora de fazer isso. Essa testegem vai ser capaz de guiar decisões desde que ele seja aplicado de maneira inteligente. Estratificar por regiões já é um fator positivo. Dentro da estatística, um conceito muito forte que faz toda essa coisa de amostragem funcionar é um conceiyo chamado de aleatorização. Você não pode ter preferências na hora de aplicar um teste como esse.”, explica o professor.
Com cuidado
Apesar desse potencial, o procedimento é tratado com cautela porque usará testes rápidos, capazes apenas de identificar se a pessoa desenvolveu anticorpos contra o vírus, o que permite concluir que em algum momento ela já teve contato, sem especificar a data. O teste mais indicado no momento é o RT-PCR, que identifica a presença do vírus no organismo das pessoas. O RT-PCR é feito a partir de amostras retiradas do nariz e da garganta.
“ Teste rápido não serve para diagnóstico, de forma alguma.Você vai ser positivo no ida 10, no dia 15, no dia 60, no dia 90. Você já está recuperado mas você ainda é positivo. O teste rápido tem um valor epidemiológico para saber quantas pessoas foram infectadas, mas tem margem alta de erro”, avalia Alessandro.
Benilton de Sá Carvalho explica que o ideal, no caso do uso de testes rápidos, é testar as mesmas pessoas mais de uma vez para diminuir a margem de erro. “Vamos supor que cada teste sozinho tinha 10% de chance de dar errado. Conjuntamente, a chance de os dois darem negativo quando a pessoa está de fato doente cai de 10% para 1%”.
Números
Campinas bateu o recorde de mortes por Covid-19 confirmadas em 24 horas ao registrar nove óbitos, em levantamento feito entre segunda (08) e terça-feira (09), e atingir o total de 116, de acordo com dados divulgados pela Prefeitura. Além disso, a cidade está bem próxima da marca de 3 mil casos confirmados, com 2.956 infectados após 165 novos registros.