A decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em suspender na terça-feira (9) os testes da Coronavac após a morte de um voluntário sem relação com a vacina, causou indignação não só a membros do Instituto Butantan, que citaram a decisão como antiética, mas também de especialistas que classificam a medida como autoritária e impensada, causando insegurança a população.
Hoje (11) a Anvisa autorizou a retomada dos testes no país. O HC (Hospital de Clínicas) da Unicamp, um dos centros que faz o estudo clínico da vacina, afirmou que aguarda o anúncio de do Butantan para retomar os testes.
Para Luiz Carlos Dias, professor do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da ABC (Academia Brasileira de Ciências) e da Força-Tarefa da Unicamp no combate à covid-19, a decisão da Anvisa serviu apenas para fomentar o discurso negacionista, alimentando o movimento antivacina e os partidários do atual governo.
A indignação do especialista da Unicamp foi formalizada em forma de artigo, publicado na tarde de ontem (10) no site da instituição, durante o dia que foi marcado por discussões em cima do caso ocorrido.
"Sem dúvida nenhuma toda essa paralisação que aconteceu vai trazer muito prejuízo para a campanha de vacinação, sobretudo se a vacina for aprovada. Toda essa trapalhada foi um grande desserviço pra conscientização da população contra a covid-19. Tenho certeza que poderia ter tido um diálogo, uma conversa entre as instituições para evitar todo esse problema" afirmou.
Para Dias, a medida da Anvisa não foi firmada no interesse genuíno e na segurança da pesquisa, demonstra um descrédito com a ciência e serve para desacreditar a população sobre a segurança da candidata a vacina.
"A Anvisa sabia da polarização política, sabe como a Coronavac está tá sendo tratada como vacina chinesa. Nesse caso foi uma grande trapalhada, e acredito que minha opinião é compartilhada por grande parte dos cientistas. Num período curto de tempo olha o que aconteceu", apontou.
FAKE NEWS
Após a suspensão, a causa da morte do voluntário- que não teria nenhuma relação com a vacina-, foi apontada como suspeita de suicídio. E mesmo sem relação, a morte já é alvo de argumentos e falsas notícias relacionando a vacina ao acontecimento.
"Foi uma grande trapalhada em um momento político que não ajuda em nada, influenciando movimento antivacina, causando medo, receio. Já vi muita gente agora relacionando a vacina com a morte, falando que causa suicídio, é um grande desserviço, que só atrapalhou e não esperamos isso, esperamos da Anvisa transparência, que seja apolítica, isenta, e tem que ter consciência das ações", acrescentou.
No mês passado, em entrevista ao ACidade ON, Dias comentou também sobre os principais mitos que causam nos últimos anos a baixa cobertura vacinal no país
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DOIS PESOS DUAS MEDIDAS
Para Dias, a medida da Anvisa em paralisar os testes da Coronavac vai na contramão do que foi decidido no caso do ensaio clínico da vacina de Oxford, que também teve um voluntário morto, mas permaneceu com os estudos mantidos.
"Há um tempo atrás quando o morreu um voluntário no estudo Oxford, publiquei um artigo que dizia imagina se tivesse ocorrido com a candidata vacinal chinesa, o que não seria disparado de fake news?, e foi o que aconteceu. No caso de Oxford, não foi suspenso o estudo, então são duas situações com tramites diferentes", afirmou criticando a postura da agência.
"Faltou diálogo, é uma situação delicada, esperávamos que Anvisa pedisse documentação, esclarecimento antes de suspender. Todo mundo quer sair da pandemia, e pra isso precisamos de uma vacina aprovada, é a Anvisa que vai aprovar. A coletiva dada foi deprimente, lamentável a postura, as justificativas infundadas, tem que ser investigado antes de tomar uma medida como foi tomada" afirmou.
RESPEITO
O especialista ressalta que as ações das instituições do país tem que serem éticas, com transparência e respeito, esse último que não foi visto pela atitude do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) diante da suspensão.
Após o anúncio da Anvisa, o presidente comemorou a suspensão nas redes sociais, afirmando que "ganhou mais uma". A Coronavac, desenvolvida em parceria com laboratório chinês, é alvo de críticas de Bolsonaro e impasses com o governador do Estado de São Paulo, que já se preparava produção em massa da vacina.
"Como pode alguém festejar isso? Ganhou de quem? Por enquanto, o vírus está no controle, são milhões de desempregados, mais de 162 mil mortes pela covid-19, crianças sem aula, quem está ganhando?", criticou.
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