Militares durante higienização no Paço Municipal.
Carlos Bassan
Militares durante higienização no Paço Municipal.

Campinas completa nesta terça-feira (23) um ano do início da quarentena de combate ao coronavírus que promoveu o isolamento social para tentar frear a propagação do vírus. 

De início, a medida tinha a previsão de durar apenas 21 dias, e terminar em 12 de abril. No entanto, um ano depois, ainda não há previsão do fim desse isolamento (apesar de períodos menos restritivos ao longo do ano passado). Porém, o fato é que a cidade completa uma no ano das medidas restritivas no pior momento da pandemia com alta dos casos, colapso da rede de saúde e recorde de mortes.

O INÍCIO

A decisão de entrar em quarentena foi anunciada na tarde de um sábado pelo então prefeito de Campinas, Jonas Donizette, passando a valer na segunda-feira seguinte. Um dia depois de Campinas, na terça-feira, dia 24, todo o Estado de São Paulo também passou a seguir o período de restrição após anúncio do governo João Doria. No dia do anúncio, Campinas tinha apenas nove casos confirmados da doença, com 253 em investigação. Hoje, a cidade já conta com 77.355 casos confirmados, sendo 2.154 vítimas fatais. 

UM ANO E AINDA IGUAL?

Há um ano, a cidade via pela primeira vez as ruas vazias e os comércios fechados, sendo que a orientação municipal era para "circulação de pessoas somente em casos de extrema necessidade" e apenas setores essenciais do comércio podiam funcionar- cenário que se repete neste mês de março, porém pior: com comércio essencial fechando às 20h. A semelhança, no entanto, vem após um ano de desgastes, perdas e muitos sonhos adiados.

Mesmo com a sensação de recorrência, uma coisa é certa: o enfrentamento hoje não é da mesma forma que no ano passado. Com hospitais superlotados, lotação máxima em UTIs e fila para leitos, Campinas hoje tem um cenário que não chegou a ser visto no ano passado, nem mesmo no primeiro pico, vivenciado em julho.

Com a chance de uma nova variante e aumento na taxa de transmissão, ao contrário do ano passado, ainda não há previsão para que as medidas se encerrem.

AS RESTRIÇÕES

Após constantes prorrogações do decreto da quarentena (que ocorrem até hoje), o governo estadual implementou o Plano São Paulo de flexibilização da quarentena no final de maio, que determina fases mais brandas e mais rígidas das medida de isolamento social.

Antes da fase emergencial, em vigor atualmente com restrições mais rígidas que a fase vermelha, ao todo houveram 23 atualizações do plano estadual. Destas, o DRS (Departamento Regional de Campinas) ficou 13 vezes em fases mais restritivas (alternando entre vermelha e laranja), e 10 vezes em momentos mais flexíveis (na fase amarela ou verde).

NÃO ERA PARA SER TÃO LONGA

Quando o período de quarentena começou em Campinas, nem infectologistas nem gestores municipais imaginavam que a medida se prolongaria tanto.

Em junho, durante entrevista ao ACidade ON três meses depois da implementação, a diretora do Devisa (Departamento de Vigilância em Saúde), Andrea Von Zuben, já havia citado falta de perspectiva de fim da quarentena, mas ainda enxergando uma possível melhora em meados de setembro . Hoje, a diretora comenta que ninguém esperava uma segunda onda e a necessidade da medida tão longa.

"Quando começou a gente imaginava que teria bastante caso, que seria grave. Mas depois que entrou naquela descida que a gente teve, achamos que ia somente aumentar de novo neste ano, mas que não teria uma continuidade", afirmou.

A infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Raquel Stucchi, cita que depois de tantos meses, o curto prazo previsto na época é até esquecido.

"A gente até esqueceu disso, que sempre falava daqui 15 dias, era nossa fala de infectologistas. A gente não esperava que fosse tanto tempo. Esperava que pudéssemos controlar e que o vírus não fosse tão resistente assim, esperávamos ter um controle antes até da vacina", disse ela.

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AINDA SEM FIM

Mesmo com um ano e com a corrida pela vacinação, a diretora do Devisa disse que ainda não enxerga um fim rápido da quarentena. "Temos medidas farmacológicas e não farmacológicas. A vacina é farmacológica e a quarentena não farmacológica. Ainda acho que vai durar mais bastante", disse. Ela destacou que só com a maioria da população vacinada é possível ver um fim das medidas restritivas. Até hoje, Campinas vacinou 117.866 pessoas de primeira dose. 

ESTAFA E AUMENTO DE CASOS

Para Andrea, a longa duração da medida se deve em grande parte ao não cumprimento das regras, junto com o desânimo da população em continuar seguindo as medidas restritivas.

"O que a gente mais atribui para isso é o fato da população que entrou em uma fadiga, um cansaço. Com isso diminuiu a percepção de risco, e ficou com impressão que 'ta tudo bem'". Sobre o "boom" de casos deste ano, a diretora do Devisa também cita a falta de adesão da quarentena.

"Muita gente fala que tem a cepa de Manaus. Pode ser. Mas ainda não foi confirmado. Mas se tomarmos as mesmas medidas não tem transmissão, independente da variante que estiver circulando", explicou.

Já para Raquel, o novo aumento deve sim ter relação com uma variante junto com a maior transmissão da doença. "O cansaço de estar quase um ano isolado fez com que abrissem mão de todas as recomendações relacionadas ao isolamento. Isso favoreceu as variantes, e aglomeração mais variante, transmite bem mais. É a explosão de casos descontrolados que estamos vendo", afirmou.

HOUVE FALHAS?

Questionada sobre se hoje a Prefeitura enxerga eventuais falhas na quarentena e no combate à doença neste um ano, a diretora do Devisa descartou erros da gestão.

"Não acredito que haja falhas. Acredito que era um pacto com sociedade. Tivemos fases mais duras, mais restritivas, que diminuiu interações e depois o Plano São Paulo tinha uma abertura com as medidas sendo seguidas. Era o esforço individual preservando o coletivo, o que não aconteceu, se tivéssemos população seguindo premissas não estaríamos assim", disse ela.

Sobre um possível lockdown, Andrea citou que não seria de efeito sem a adesão que já não é vista. "Não adianta o governo instituir medidas super rígidas, se temos uma parte considerável da população que não cumpre. O comportamento é o mais importante. Não adianta só medidas governamentais. Não adianta lockdown se ninguém vai cumprir", disse.

Para a infectologista da Unicamp, o desempenho de Campinas foi positivo, mas medidas adicionais poderiam ter sido tomadas.

"Eu não diria erro, o município teve um desempenho adequado diante de todas dificuldades, o que talvez pudesse ter implementado era que a gente testou muito pouco, se pudesse ter autonomia para conseguir mais testes, capacitar mais laboratórios, isso seria muito importante. O município poderia também, e talvez seja a hora, de elaborar protocolos municipais de atendimento em todas as fases", sugeriu Raquel.


Mesmo afirmando que o momento atual seria preciso para um lockdown, Raquel declarou que a falta de fiscalização e a aplicabilidade seria difícil em Campinas.

"Do ponto de vista puro de infectologia, a gente está no momento que precisa fazer o lockdown, mas o lockdown puro no sentido de restrição total igual tempos na Europa sinceramente acho que a gente não consegue fazer", disse, citando que haveria necessidade de implantação de todas as cidades da região- o que foi descartado na última semana.

"Para se ter medidas restritivas, tem que ter uma fiscalização muito rigorosa, presente e com punição, e isso não existe na cidade da quantidade que se consiga fazer", finalizou.

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