Paciente atendido no HC após tomar kit covid espera por transplante de fígado.
Divulgação/HC Unicamp
Paciente atendido no HC após tomar kit covid espera por transplante de fígado.

Um paciente de Indaiatuba entrou na fila de transplante de fígado do HC (Hospital de Clínicas) da Unicamp , em Campinas , após utilizar o kit covid - conjunto de medicamentos sem eficácia comprovada contra o vírus. O kit, inclusive, é defendido pelo presidente da república Jair Bolsonaro (sem partido), e envolve remédios como a ivermectina, a hidroxicloroquina e a azitromicina.

Além do homem atendido em Campinas desde o final de janeiro, transferido da capital, outras quatro pessoas também foram atendidas em São Paulo e levadas à fila de transplante de fígado. Na Unicamp, o paciente chegou, segundo o hospital, com a pele amarelada e com histórico de uso de remédios do kit covid, entre eles ivermectina, cloroquina, azitromicina, além de zinco e vitamina D. Todos prescritos por médicos, segundo a Unicamp. O paciente ainda não tinha doenças anteriores e tinha cerca de 50 anos.

"Ele chegou com uma síndrome de doença hepática pós-covid. Mas quando analisamos, vimos que não se enquadrava muito bem na síndrome. Tinha alterações específicas e analisamos a biópsia. Era, na verdade, uma hepatite medicamentosa que causou a destruição dos dutos biliares. E o paciente tinha usado somente, nos últimos quatro meses, remédios do kit covid. Ele também tinha sido infectado pelo coronavírus há 3 meses", disse a professora e médica da unidade de transplante hepático do HC da Unicamp, Ilka Bonin.

A médica afirmou ainda que os quadros de covid e de hepatite medicamentosa são diferentes. "Na história clínica, ele só tinha tomado remédios de kit covid". Ainda segundo ela, a equipe também tem observado um aumento de pacientes que tem feito um uso indiscriminado das medicações do tratamento precoce contra o coronavírus.

"Essas medicações estão sendo usadas erroneamente, sem acompanhamento médico. Não temos nenhum estudo que valide a medicação para covid. E esse uso indiscriminado tem um impacto. Estamos perdendo 80% dos pacientes internados na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), quando o usual é de 20 a 50%, dependendo da faixa etária. Será que nossa mortalidade não está associada ao uso de remédios que têm sua hora de serem usados? Essa é a pergunta que temos feito", disse.

O KIT COVID

O kit covid é defendido por alguns médicos e pelo governo federal como um "tratamento precoce" ao coronavírus. Atualmente, a doença não tem remédio com eficácia garantida e o único tratamento é lidar com os sintomas, entre eles tosse, febre e falta de ar. Em casos graves, os pacientes necessitam de intubação para conseguir respirar.

Sobre o uso do kit covid, os médicos têm liberdade para prescrever os medicamentos. A hidroxicloroquina é um remédio usado, normalmente, em pacientes com lúpus, artrite reumatoide, doenças fotossensíveis e malária. Já a ivermectina é um vermífugo. Já azitromicina é um antibiótico, recomendado para casos de infecção bacteriana. A covid-19 é um vírus.

O CREMESP

Procurado sobre o caso, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) informou que "no caso da prescrição de forma off label de medicações já aprovadas, ou seja, para fins outros que não os que constam em bula, os riscos e a ausência de evidências devem ser bem discutidas com o paciente, que deve consentir com a prescrição".


Além disso, o órgão afirmou que "pela falta de evidências, contudo, o médico não pode divulgar o tratamento com tais medicamentos como eficaz". "A divulgação e prescrição de medicamentos/protocolos informais e sem comprovação científica relevante, por meio de canais públicos, como redes sociais e imprensa, por exemplo, pode configurar infração ao Código de Ética Médica", disse.

O Cremesp também informou que publicou um livro intitulado "Manual das Melhores Práticas Clínicas na Covid-19" para orientar os médicos.

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