O Ministério Público de Campinas instaurou um procedimento para identificar crianças que ficaram órfãs durante a pandemia da Covid-19. O procedimento tem a intenção de acompanhar as políticas públicas que estão sendo adotadas para atender crianças e adolescentes que perderam seus representantes legais.
A promotora Andrea Santos Souza foi quem pediu o procedimento. Ela pontua que não se trata de uma investigação punitiva, mas uma ação conjunta com órgãos de assistência para melhorar a estrutura de atendimento no futuro.
"Em um primeiro levantamento, feito em um cartório e de alguns meses, eu já localizei 47 crianças, entre 16 meses e 17 anos de idade. E o que vai acontecer com essas crianças? Têm grupos em que a mãe morreu e deixou quatro filhos e, de uma hora para outra, alguém da família terá que ficar responsável por elas", disse.
RISCOS
Andrea teme que essas crianças sejam submetidas a adoções irregulares e outros tipos de crime contra à infância. "Pode existir um risco muito grande de separação dos irmãos, onde cada um pode ser enviado a uma família diferente. Ou então, pode haver uma adoção irregular, onde o menino ou a menina podem ser colocados em situações de trabalho infantil. Muitas coisas podem acontecer pela falta de um adulto responsável pela criança", destacou.
Andrea ainda explica que os registros dos cartórios têm a especificação de morte por covid. Uma vez identificados os órfãos, o Ministério Público pretende atuar com as entidades assistenciais em médio e longo prazo para evitar que as crianças e adolescentes sejam separadas de irmãos, ou corram riscos de exploração.
Na busca, o Ministério Público de Campinas ainda destinou um e-mail, onde os casos podem ser enviados pelos moradores, que é o [email protected].
SEM O PAI E O AVÔ
Kaleb, de apenas 5 anos, perdeu o pai para a covid-19. Fernando tinha 46 anos quando se infectou com a doença e precisou ser internado. A mãe do pequeno e esposa de Fernando, Luciana Conservani Antônio, conta que o filho chama pelo pai quase todas as noites.
"O Kaleb pergunta do pai todos os dias. A noite ele fala que está com muitas saudades e pede para ir ver a estrela para falar boa noite. É bem complicado, porque não tem o que eu fazer".
Ela conta que tudo começou em setembro de 2020, quando Fernando foi internado com problemas no rim. Ele tinha diabetes e apresentou as complicações da doença crônica em 2018.
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"Ele estava com deficiência no rim e precisou ficar uma semana internado para tratar. Nessa internação de uma semana ele teve alta, e uma semana depois ele voltou com covid. Ficou internado um mês e veio a falecer".
E Fernando não foi a única vítima da doença. "A maioria da família acabou adquirindo covid porque a gente estava sempre correndo com ele. E três dias após a morte dele, veio a falecer o pai dele, o meu sogro", contou.
Para Luciana, se manter em pé diante de tantas perdas é questão de saúde para o filho. "Hoje eu entendo aquela frase que diz que as aparências enganam, porque muitas vezes eu estou sorrindo, mas por dentro eu estou aos pedaços. Tanto eu como meu filho e minha sogra precisamos de tratamento. Nossa vida virou de cabeça para baixo".
LUTO X SEGURANÇA
As perdas de Luciana representam um caso entre milhares de famílias que perderam seus parentes por causa da pandemia. No Brasil, são mais de 500 mil mortes em decorrência da doença.
Cibele Marras é psicóloga especialista em luto e explica que as perdas causam impactos diferentes nas crianças ou adolescentes.
"Uma criança que perde um ou dois dos seus genitores tem uma perda de uma figura de segurança na vida, que era quem cuidava dela. É preciso reestruturar o sistema familiar para que essa criança continue a se sentir segura dentro desse sistema", explicou.
Para Cibele, estar alerta aos sinais de mudança de comportamento é essencial no processo de luto. "Muitas vezes as crianças não entendem os seus próprios sentimentos e elas vão demonstrar para nós irritabilidade, apatia, regressão de comportamento. Então é importante que os cuidadores que ficarem com essa criança fiquem extremamente atentos ao comportamento dela, para que, se for o caso, leva-la em algum especialista".
ASSISTÊNCIA
Cibele também ressalta a importância de os órfãos terem acesso à assistência e alerta sobre a necessidade de preparo dos profissionais que vão atender esses órfãos.
"É importante que a gente, enquanto serviço de saúde pública, se prepare para isso. E a equipe toda, não apenas os psicólogos. Porque muitas vezes eles não têm nenhum entendimento", pontuou. (Com informações da EPTV/Campinas)