O Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em Campinas, está à frente do maior estudo do Brasil sobre as sequelas da Covid-19 na população. O órgão está coordenando o maior estudo já feito a respeito no Brasil, reunindo mais de 80 pesquisadores de várias áreas.
Uma das frentes do trabalho no HC (Hospital de Clínicas) da Unicamp analisou as ressonâncias de pacientes que tiveram sintomas leves da doença e tinham queixas de problemas neurológicos.
O resultado foi a descoberta de uma atrofia na região frontal do cérebro, responsável pelo raciocínio e atenção.
"A gente não esperava ver atrofia num grupo de pacientes que não foi internado e em um período tão curto. Para a gente foi surpresa", afirma a professora de neurologia da faculdade de medicina da Unicamp Clarissa Yassuda.
AS QUEIXAS
Os pacientes se queixam, de forma predominante, de alguns sintomas, entre eles:
- fadiga
- sonolência
- dor de cabeça
- sintoma de ansiedade
- depressão
- disfunção cognitiva
Há queixas de memória e alguns pacientes citam ainda problema de atenção, como se houvesse uma diminuição na velocidade de processamento cerebral. Outros falam ainda de dificuldade de linguagem, com dificuldade para encontrar as palavras.
O estudo apontou ainda que a área responsável pelo raciocínio e atenção em pacientes com covid trabalharam de forma exagerada em comparação a outros pacientes.
EMOÇÕES
Além disso, o cérebro das pessoas que contraíram a covid apresenta atividades acima do esperado no campo das emoções, como se elas proliferassem de forma anormal.
"As pessoas que tiveram covid-19 estão aparentemente tendo dificuldades de modular as emoções, o que gera depressão e ansiedade, quadros que têm sido comuns entre quem teve a doença", diz o pesquisador médico neurologista da Unicamp, Italo Venturato.
Além da análise das ressonâncias, o trabalho também investigou o tecido cerebral de pessoas que morreram de covid e fez análises de material produzido com células-tronco.
O cruzamento de informações levou os cientistas a encontrarem o alvo preferido da covid no cérebro: os "astrócitos", células estreladas que dão sustentação aos neurônios.
NEURÔNIOS
Para efeito de comparação, os astrócitos funcionam como bombas de combustível dos neurônios, sendo elas as células mais importantes do cérebro, pois funcionam o tempo, inclusive durante o sono.
Os pesquisadores da Unicamp identificaram que o vírus da covid interfere diretamente nessa fonte de alimentação dos neurônios, prejudicando o funcionamento deles e até matando as células.
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CONTATO
O estudo mostrou que quando os astrócitos infectados são postos em contato com neurônios não infectados eles acabam morrendo. Isso, de alguma forma, mostra que a infecção dos astrócitos pelo novo coronavírus produz um ambiente tóxico para os neurônios que pode levar a sua morte.
Com a pista de onde ocorre a infecção, os pesquisadores agora focam no mecanismo de ação do vírus para desenvolver estratégias de combate as sequelas.
PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA
A pesquisa da Unicamp em parceria com a USP (Universidade de São Paulo) de São Paulo e Ribeirão Preto já foi submetida a uma publicação cientifica internacional e foi base de consulta para outros trabalhos no exterior.
OS PACIENTES
Na prática, o prazer de sentir o aroma e o sabor de um café não são mais sentidos pela assessoria de investimento Monica Lemos desde que pegou covid-19 no início do ano. É uma sequela que interfere na rotina.
"Já virou uma história em casa porque eu cozinho e, na hora de comer eu falo: 'Ih... Tá sem sal, tá sem tempero. Aí as meninas dizem: 'Não mãe, está tudo normal, você é que está sem o paladar'", contou.
Já o empresário Paulo Cesar Ceolato teve a doença há mais de um ano e meio. Até hoje tem problemas de memória e concentração.
"Eu tô fazendo um trabalho que eu vou de 'x' a 'y'. Se você chega para mim e dá 'bom dia', eu já não sei mais o que eu estava fazendo. Eu tenho que voltar no ponto inicial, raciocinar tudo de novo", disse.