Fábrica que criou chapéu original de Indiana Jones é demolida em Campinas
Reprodução: ACidade ON
Fábrica que criou chapéu original de Indiana Jones é demolida em Campinas

A demolição da histórica fábrica de Chapéus Vicente Cury, que criou o adereço original usado por Indiana Jones nos cinemas, mudou a rotina do bairro Botafogo, em Campinas.

Após cerca de 100 anos da construção da fábrica, o local agora espera pela execução de um novo empreendimento com duas torres residenciais e uma área comercial.

Quem vive, trabalha, ou passa diariamente pelas ruas Barão Geraldo de Resende, Doutor Alberto Sales e José Paulino ainda vê as icônicas fachada e chaminé, tombadas pelo patrimônio histórico, mas logo percebe as mudanças.

Antes expostas ao tempo, partes dos muros e janelas foram cobertas por uma tela para evitar a queda de entulho nas calçadas. Do lado de dentro, os barulhos de marretas e de máquinas indicam que a obra começou e que pouco sobrou.

Duas moradoras da região, que não quiseram se identificar e que passeavam com os cachorros pela José Paulino lamentaram o destino do que definiram como "parte da história da cidade", mas depois ponderaram sobre o futuro.

"É bom. Eu não sabia que iriam manter a parte de fora e a chaminé", afirmou uma delas, após ser informada sobre a preservação pelo Condepacc (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas) (entenda mais abaixo).

EXPECTATIVA PELO NOVO

Entre os comerciantes, no entanto, a notícia se espalhou mais rápido e todos que foram ouvidos pelo acidade on Campinas sabiam detalhes do projeto. A expectativa positiva parece ser a mesma entre os antigos e os mais novos.

"Vai valorizar. Todo mundo vai sair ganhando. É melhor do que esse espaço todo vazio aí. E a fachada e a chaminé vão ficar como um memorial", define Vanderlei Vieira, proprietário de uma sapataria inaugurada há 27 anos.

"O movimento é bom aqui e a gente espera que aumente", opina Dagmar de Sousas Brito, dona de uma papelaria aberta há cerca de oito meses no quarteirão. "Mesmo com a galeria comercial, vai ser melhor", completa ela. 

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Instalações internas da antiga fábrica de chapéus foram demolidas (Foto: Luciano Claudino/Código 19)


ENTORNO DA ANTIGA FÁBRICA

Cercado por prédios que abrigam clínicas e outros estabelecimentos, assim como por imóveis onde funcionam cafés, bares e outros tipos de comércios, o entorno da antiga fábrica é visado por quem procura onde parar os carros.

Além das vagas nas ruas, muita gente recorre aos estacionamentos em galpões ou terrenos. Ademir Rossani trabalha em um desses locais e diz que a construção do condomínio vai, enfim, suspender o desgaste da antiga fábrica.

"É o progresso, porque isso aí vai se deteriorando. Por isso acho legal que vão manter e reformar as partes antigas. Então, eu acho que para os estacionamentos, o comércio e para o bairro isso vai ser maravilhoso", defende.

Questionado sobre os incômodos inevitáveis gerados pela obra, minimiza. "Isso é o de menos e vamos ter que encarar. Acho que vai demorar uns dois anos. Esses dias mesmo subiu muita poeira aí, mas acho que faz parte", conclui.

O PROJETO

A Seplurb (Secretaria de Planejamento e Urbanismo) de Campinas confirmou ao acidade on Campinas que expediu o alvará de demolição para uma área de 7.522 metros quadrados no terreno  que antes abrigava a fábrica Chapéus Cury.

"Os projetos de aprovação e execução de empreendimento de uso misto (comercial e residencial) estão tramitando na pasta", detalhou o comunicado.

Por fim, alegou por meio de nota que "o que deve ser preservado e pode ser demolido no local foi definido pelo Condepacc". A secretaria também informou que a construtora Helbor Empreendimentos S.A. é a responsável pelo projeto.

Nos anúncios sobre o novo empreendimento, a empresa responsável detalha que as torres residenciais vão abrigar dois tipos de apartamentos: um de 36 m² com um dormitório, e outro com 57 m² e dois dormitórios, sendo uma suíte.

Além das unidades habitacionais, o projeto prevê a construção de um complexo comercial com salas e um cinema. A obra deve acontecer levando em conta a preservação e a recuperação dos elementos históricos da fachada e da chaminé. 

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Fachada será preservada durante os trabalhos (Foto: Luciano Claudino/Código 19)


NA HISTÓRIA

Em entrevista ao acidade on Campinas , o historiador e coordenador departamental do órgão cultural do Condepacc, Henrique Anunziata, relatou que a Fábrica de Chapéus Vicente Cury chegou à cidade na década de 1920.

Muito utilizados na época, os itens do vestuário não costumavam ser produzidos no interior do estado. Com isso, a família Cury se instalou no município e iniciou o empreendimento com pequenos moldes de madeira para os chapéus.

Marco do período de industrialização de Campinas, a fábrica simbolizou a transição de produções cotidianas para plantas de produção em larga escala.

"A fábrica começou pequena, mas foi crescendo. Em 10 anos, ampliou e ficou muito grande. Todo o maquinário era a vapor e o molde, de madeira e usado de modo artesanal, era revolucionário para aquela época", explica Anunziata.

Nos anos 50, segundo o historiador, é que o edifício que hoje passa por obras foi construído. "Em 1957, fazem uma ampliação enorme e a fábrica chegou a ter 1 mil funcionários, o que, para chapéus, pode ser considerado muito grande", diz.

A localização da antiga sede também é importante, já que fica próxima das estradas de ferro da Mogiana e da Companhia Paulista. Com isso, a planta no bairro Botafogo não produzia somente para Campinas, mas distribuía ainda para o interior do Brasil.

Ao longo das décadas, com a mudança de status dos chapéus, a família Cury seguiu produzindo os itens, que eram vistos como luxo e requinte nos anos 1960. Depois, na década de 80, houve a explosão da moda sertaneja e country.

"Dentro desse universo, eles produziam botas também", detalha Anunziata, que entende que nas décadas seguintes os chapéus perderam força no Brasil. Nesse contexto, a fábrica seguiu operando, mas encerrou as atividades em 2012.

INDIANA JONES

Além do reforço do sertanejo, outro acontecimento que impulsionou a fama da fábrica nos anos 1980 foi o uso de um modelo produzido pela marca pelo ator Harrison Ford no filme "Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida".

Nos longas seguintes, lançados em épocas diferentes, "Indiana Jones e o Templo da Perdição", "Indiana Jones e a Última Cruzada" e "Indiana Jones e a Caveira de Cristal" o adereço mais uma vez estava lá, eternizando a Chapéus Cury.

TOMBAMENTO

O processo de tombamento da antiga sede se inicia entre os anos de 1994 e 1995. Nesta época, os proprietários entendiam que a fábrica tinha que ser preservada. Com isso, foi tombada a fachada em formato de "U" e a chaminé.

"Você ainda tem a ideia do que foi a fábrica e a representatividade fica bem clara, assim como a marcação do período industrial, do que se produziu, e das famílias que tiveram esse sucesso comercial e industrial", diz o historiador. 


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