O reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, reagiu contra o Projeto de Lei encaminhado pelo governo de São Paulo à Assembleia Legislativa que prevê a retirada de recursos das universidades estaduais e da Fapesp (fundação de fomento à pesquisa científica no estado). A comunidade acadêmica de modo geral reagiu contra a aprovação da proposta.
O PL 529/2020 deve trazer prejuízos para o desempenho da rede estadual de pesquisa e ensino. Apresentado pelo governador João Doria na quinta-feira (13), o projeto de lei prevê a extinção de mais de dez autarquias e fundações, entre elas EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo), o IAMSPE e o Itesp, entre outros, que teriam suas funções transferidas à iniciativa privada ou absorvidas por outras instituições ligadas ao estado.
O 14º artigo do PL é um dos que mais preocupa os cientistas porque determina que o superávit financeiro das autarquias e fundações seja transferido ao final de cada exercício ao tesouro estadual para o pagamento de aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência Social do Estado.
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Dados públicos mostram que somente a Fapesp teve um superávit de mais de R$ 569 milhões em 2019. A Aciesp (Academia de Ciências do Estado de São Paulo) estima que, com a medida, o governo possa retirar mais de R$ 1 bilhão da Fapesp e das universidades estaduais (Unicamp, Unesp e USP) ainda em 2020.
Menos liberdade
Segundo Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, o PL fere a autonomia financeira e de gestão das universidades públicas paulistas. A autonomia garante a Unicamp, USP e Unesp liberdade para gerir os recursos repassados pelo Estado por meio do percentual de arrecadação do ICMS.
"Tivemos muitas dificuldades nos últimos anos para reequilibrar as contas e essa medida dificulta o trabalho de planejamento e fere diretamente a autonomia universitária de poder gerir os recursos que são repassados pelo contribuinte paulista", avalia o reitor.
Knobel explica que todo o projeto de lei está em análise pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), pois além do artigo 14, outros trechos podem também impactar as universidades de forma indireta, como os itens relativos à arrecadação de impostos e o fechamento de autarquias e órgãos do Estado.
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Ele também detalha os esforços do Cruesp em dialogar com a Assembleia Legislativa e com o governo em busca de alterações no PL que não comprometam o trabalho das universidades e da Fapesp.
"Estamos em contato com os deputados, sensibilizando-os sobre essa questão. Também estamos conversando com o governo para mostrar a importância desses recursos para as universidades e por que isso vai contra o próprio decreto da autonomia. Temos então trabalhado intensamente para solicitar propostas de emendas que façam com que essa lei, nos termos em que está, não seja aprovada", ressalta Knobel.
Ajuste fiscal
No texto que apresenta o projeto, o governador afirma que as medidas propostas são voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas. Em entrevista à TV Globo, o secretário de Projetos, Orçamento e Gestão do estado, Mauro Ricardo Costa, defendeu a proposta.
"Não estamos tratando de recursos que estão vinculados a nenhum tipo de pesquisa ou obrigação, estamos falando de sobras de recursos que serão realocados para o pagamento de inativos e pensionistas, muitos deles das próprias universidades", afirmou.
Pesquisadores do estado se mobilizaram nas redes sociais para barrar o avanço do projeto. Um abaixo assinado criado pela Aciesp para pressionar os parlamentares contra o PL contava com quase 30 mil assinaturas até a tarde desta segunda-feira (17).
"Muitas dessas pesquisas feitas no estado dependem de um financiamento altíssimo. Isso não pode ser visto jamais como um desperdício. Esse conhecimento gerado é a base para o desenvolvimento econômico", diz Vanderlan Bolzani, professora da Unesp e presidente da Aciesp.
Em nota publicada no domingo (16), o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) diz que iniciou discussões e ações junto aos poderes Executivo e Legislativo para avaliar as implicações e os impactos na autonomia universitária.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirmou em nota que a aprovação do PL 529 levará à paralisação da maioria das atividades científicas do estado de São Paulo e que os fundos das universidades, de seus institutos de pesquisa e da Fapesp não constituem superávit, mas, sim, reservas financeiras para manutenção e para financiamento de projetos.
"Entende-se a necessidade de austeridade fiscal no momento, mas a ciência é atividade absolutamente essencial, tanto para enfrentamento de desafios atuais como para futuro desenvolvimento econômico e social. De fato, São Paulo deve seu destaque econômico atual no país ao seu sistema de universidades públicas em conjunto com a Fapesp", continua a SBPC.
Nesta terça-feira (18) termina o prazo para apresentação de emendas ao projeto, e o texto será encaminhado para três comissões. É possível que parlamentares da base do governo prefiram que o projeto tramite por um congresso de comissões, quando várias delas são reunidas em uma mesma reunião para que a aprovação seja mais rápida.
A previsão inicial do líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Carlão Pignatari (PSDB), é de que o PL seja aprovado até o fim de setembro.