Em meio à pandemia e o aumento das doenças mentais provocadas pelo isolamento e o medo, Campinas integra neste mês a série de atividades realizadas em nível nacional pelo Setembro Amarelo, com objetivo de prevenir e reduzir as mortes causadas por suicídio.
Segundo um balanço da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, com dados do Sisnov (Sistema de Notificação de Violência de Campinas), de janeiro a julho deste ano foram registradas 169 tentativas de suicídio na cidade (o que equivale a um caso a cada 30 horas). Entre elas, 33 infelizmente acabaram em mortes - um óbito a cada seis dias.
Em relação ao ano passado, o número de tentativas é maior (foram 151 de janeiro a julho), mas o número de mortes caiu significativamente (foram 48 nos primeiros sete meses de 2019). O número de tentativas, segundo a Prefeitura, pode ser ainda maior, já que o balanço é apenas registrado com as notificadas na central, e pode não corresponder ao total de ocorrências.
O aumento também foi verificado pelo Corpo de Bombeiros. Segundo a corporação, neste ano houve um aumento de 26,5% nos chamados para os atendimentos de tentativas de suicídio, comparado ao mesmo período do ano passado. De janeiro até o início de setembro, as equipes já atenderam 62 chamados, contra 49 do ano passado. Já a GM (Guarda Municipal) atendeu 19 tentativas de suicídio neste ano, contra 15 em 2019. Ambas as corporações não divulgam os números de vitimas das ocorrências.
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No ano passado, os Bombeiros receberam ao todo 93 chamados, com crescimento de 97,8% em relação aos números de 2018, quando foram contabilizadas 47 ocorrências.
AÇÕES
Visando combater o aumento desses números, redes de psicólogos e a rede de saúde mental da Prefeitura realizam ações durante o mês para a conscientização sobre as doenças mentais que podem levar uma pessoa a querer tirar a própria vida.
Por causa da pandemia, neste ano em especial as ações tem sido feitas de forma on-line e com enfoque na qualificação dos profissionais da Saúde, é o que explica a coordenadora de Saúde Mental de Campinas, Sara Sgobin.
"Esse ano estamos promovendo debates sobre o tema nas nossas unidades, mas não teremos um evento coletivo. Nós optamos por trabalhar mais internamente com os trabalhadores da saúde, trazer esse tema a tona para lembrar que é importante suspeitar disso, que não se pode ter medo de falar disso com os pacientes em consultas, pra permitir que os pacientes se abram e conseguimos tratar isso antes que o suicídio aconteça", afirmou.
Segundo a coordenadora, as ações promovidas têm dois objetivos centrais: diminuir o acesso aos métodos usados para o suicídio e tratar das pessoas adoecidas mentalmente, também fazendo treinamentos aos profissionais.
"Agimos em duas pontas, cuidando de quem está sofrendo e tentando evitar o acesso a esses métodos violentos que podem resultar em mortes. E o mais importante nessa prevenção é habilitar diversos profissionais para perceber sinais de alerta", declarou, afirmando que durante esse período os serviços de saúde mental não pararam, mas se modificaram para continuar atendendo os pacientes.
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"Suspendemos as atividades em grupos, que era uma ferramenta importante, e mudamos a forma como fazíamos o atendimento, alguns mantendo atendimento presencial, mas outros por teleatendimento, e com a premissa de que podem vir caso o quadro piore", afirmou.
QUEBRANDO O TABU
Segundo a psicóloga Flávia Costa, especialista na área de suicidologia, um dos aspectos mais importantes do mês de conscientização é a informação para que o assunto não seja visto como tabu.
"A gente sabe que muitas pessoas ainda vêem o suicídio como pecado, como descuidado, como se a vítima fosse só aquela pessoa que não se ama, então o Setembro Amarelo vem com a ideia de que esses tabus têm que ser desconstruídos. Não é falta de Deus e não é pecado, porque não é pecado adoecer e quem tenta o suicídio está doente", declarou.
No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, cerca de 12 mil pessoas morrem por ano vítimas de suicídio, sendo que a doença é a terceira maior causa entre homens e oitava entre mulheres, com maior prevalência nas idades entre 20 e 49 anos.
A PANDEMIA COMO FATOR DE RISCO
De acordo com a psicóloga, durante a pandemia os atendimentos na clínica tiveram aumento de pelo menos 50%, com emoções mais afloradas e pessoas notando que precisam de ajuda profissional.
"A gente vê que as emoções estão mais intensas, e muitos não dão conta disso sozinhos. A gente não pode afirmar que contribui para o aumento do suicídio em si, mas com certeza trouxe grande aumento dos problemas mentais, e uma pessoa que já tinha tendência agora está mais propensa", afirmou, declarando que há fatores de risco que contribuem para essas doenças.
"Os pacientes normalmente têm muito medo de contrair a doença, medo de perder entes queridos ou até problemas pelas perdas. Além disso, o isolamento, a solidão, os atendimentos físicos sendo suspensos e até mesmo os meios espirituais, como igrejas, fechados contribuem para essa piora", afirmou.
COMO IDENTIFICAR
Segundo a psicóloga, há sinais que podem ser observados por familiares, colegas e amigos, e que podem servir como indicativo de que uma pessoa esteja tendo pensamentos suicidas.
"A gente percebe se a pessoa está mais irritada, com aquela tristeza constante, tem sempre um sentimento de impotência, se desvaloriza, tem baixa autoestima, e vale perguntar se aquela pessoa já sofreu algum tipo de violência, seja ela física, psicológica ou emocional. Além disso, aumento do uso de álcool, drogas, ou a convivência em um ambiente familiar hostil podem ser vistos como fatores de risco", afirmou.
Para Flávia, a forma de uma pessoa questionar a outra sobre as tendências suicidas não precisa ser vista como algo impossível de ser feito.
"Não precisa ter medo, vale chegar, perguntar se a pessoa tem planos para o futuro, se acha que a vida vale a pena ser vivida ou se a morte seria bem vinda. Essas perguntas feitas a pessoa já percebe que tem alguém observando e pode se sentir confortável para falar, vendo que está sendo vista", indicou a especialista.
"Temos sempre que oferecer apoio sem julgar, acolher e buscar ajuda. Evitar criticar essa pessoa por pensar assim, mas sim ter empatia. Além disso, é importante estar presente, ligar, mandar mensagem, mostrar que se importa e tentar descobrir o que está acontecendo", ressaltou.
Para a coordenadora de Saúde Mental, é essa propagação da empatia o ponto mais importante do mês. "Quando conseguimos tocar a população do quanto é importante essa vida em comunhão, isso é muito potente pra aplacar angustias, a gente promove muito mais a prevenção", afirmou.