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Despedida de vítimas da covid-19 dá novo sentido ao feriado de Finados
Reprodução: ACidade ON
Despedida de vítimas da covid-19 dá novo sentido ao feriado de Finados


Com grande parte dos velórios suspensos por causa da pandemia, famílias de Campinas utilizam a reabertura dos cemitérios neste feriado de Finados (2) para prestar homenagens, mesmo que atrasadas.  

Por causa das restrições dos casos suspeitos de covid-19, o ritual de luto para as famílias que perderam entes queridos ficou incompleto, deixando para aqueles que sofreram a perda um vazio ainda maior: o da despedida que não foi devidamente realizada.  


Essa é a sensação da técnica de enfermagem Marcela Oliveira, que perdeu a mãe, de 68 anos, e a irmã, de 33 anos, em maio. No caso da irmã, que ainda não tinha o exame confirmado como causa de morte a covid-19, o velório foi feito, mas com caixão lacrado e número reduzido de pessoas. Já para Cleuza dos Santos, que teve a confirmação de morte pela doença, o velório não chegou nem mesmo a acontecer.  

"Foi restrito o velório, e o corpo direto para o sepultamento, que foi muito rápido. A despedida, o ritual do falecimento eu acho que nunca vai ser preenchido, porque esse momento passou, sempre vai ficar esse buraco", declarou Marcela.  

No caso de Cleuza, Marcela conta que não houve nem mesmo uma despedida em vida, porque todo período de internação o isolamento era necessário diante do risco de contaminação.  

"Dói muito. O último dia que eu vi minha mãe foi pelo portão da casa dela, quando fui levar comida porque ela estava já com sintomas. Ela queria que eu entrasse, queria me abraçar, mas eu me mantive longe para proteger ela. Depois não tive como me despedir, como pegar na mão dela, dói muito", disse Marcela, que vai aos túmulos neste feriado.  

"Agora eu vou, tentar ficar no túmulo em silêncio. Eu acredito que não vai preencher o vazio, nada vai, mas vai ser reconfortante, bom pro meu coração porque vou estar mais perto dela", declarou.  

FICHA SEM CAIR

A publicitária Ligia Del Ben Vaz Dalpoz, que perdeu a avó de 95 anos em setembro, conta que a ausência de uma cerimônia fez com que a morte não fosse assimilada completamente.  

Leda Franco Vaz foi internada com infecção e teve o exame confirmado para covid-19. Após a morte, foi cremada sem cerimônia de velório e enterro.  

"Ela ficou seis meses isolada, não podia receber visita. No dia 9 de setembro foi internada e no dia 12 faleceu. Ainda estamos com a falta de velório, uma cerimônia de despedida. A sensação é que o processo ocorreu burocraticamente, parecia uma ida ao banco e vida que segue", afirmou, citando que a própria filha, de 10 anos, questionou sobre a morte da bisavó.  

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"Minha filha me perguntou logo depois da morte se eu tinha certeza que a bisa tinha morrido, eu respondi que sim, mas de fato fico com a sensação que não é verdade, não caiu a ficha. A aceitação é muito mais difícil sem despedida."  

Segundo Ligia, a família programava uma homenagem a avó, mas com a internação do seu pai recentemente, a despedida foi adiada ainda mais, e neste feriado a homenagem será feita de maneira interna entre a família.   

Marília e a avó, Lígia Adélia Cortez da Rocha, que morreu neste ano em meio a pandemia (Foto: Arquivo pessoal)

A IMPORTÂNCIA DO LUTO

A falta da despedida também afetou a jornalista Marilia Rocha, que perdeu a avó, Lígia Adélia Cortez da Rocha, de 88 anos, logo no começo da pandemia.  

No caso de Marília, a ausência do ritual de luto veio acentuada com a comparação do velório recente do avô, que tinha sido feito em janeiro, ainda sem restrições.  

"Nós tivemos um velório no começo do ano com a presença de todos, passando por esse momento de despedida de forma completa, e em seguida a família lidou com isso de forma completamente diferente, sem poder velar, sem poder fazer uma despedida, de forma totalmente restrita", declarou.  

Marília ainda não conseguiu nem mesmo ir no enterro, que aconteceu em outra cidade e com número reduzido de pessoas. A ausência de acompanhar a avó causa reflexos até hoje.  

"Eu me senti na época imobilizada, travada, com muitas dúvidas. Até hoje eu percebo que o fato de ter velório faz muita diferença no processo de luto, impactou tremendamente pra mim. Eu sinto ainda um vazio por não ter me despedido, por não ter visto, não ter estado com as pessoas que eu amo, do lado delas, sem acolhimento".  

Com parentes em outra cidade, Marília afirma que vai usar o feriado para se reunir com a família, que vai tentar usar a data para prestar homenagem a avó.  

"A gente quer honrar a memória, ter esse momento de compartilhar tudo que a gente sentiu e sente ainda. Vai ser um substituto, uma tentativa de presença pra fazer jus, por tudo que ela representou", declarou a neta. Neste feriado, Marília acredita que a data deve ser usada para tentar fechar os ciclos que não conseguiram ser completados.  

"Eu acho importante ter esse momento, reservar esse espaço pra isso para que não passar em branco, não pareça irrelevante. Eu não consegui dar o adeus e quero tentar recuperar isso. Não estou indo para qualquer viagem qualquer, eu quero um espaço para falar da perda, fechar esse vazio, porque sinto esse mal estar, esse incômodo de parecer que estou fora do lugar de onde deveria estar", declarou.

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