Há exatamente um ano, no dia 23 de março de 2020, a vida dos campineiros
sofreu uma reviravolta sem igual. Nessa data era decretada pelo Município a quarentena de combate a Covid-19
. Muito distante do cenário crítico de hoje (com mais de 2 mil pessoas mortas pela doença e superlotação de hospitais) e com nenhuma morte registrada até então, a cidade se tornou silenciosa, com ruas vazias e o medo constante da nova e desconhecida doença.
Na época, o município tinha 253 casos em investigação e nenhuma morte pelo novo vírus. Instigado pelo cenário singular da história de Campinas, o engenheiro Adriano Araújo foi às ruas registrar o fato inédito.
O drone do engenheiro sobrevoou avenidas importantes da cidade, entre elas Francisco Glicério, 13 de Maio, Campos Salles, Senador Saraiva. Todas estavam tomadas pelo silêncio e pela falta de movimento em pleno dia da semana. Podia-se ouvir o sim do aparelho que voava em busca das imagens. Nada de buzina, carros ou de pessoas circulando apressadas em busca de seus destinos. Havia apenas o silêncio.
Na época em que Adriano fez a gravação, a expectativa era de que tudo voltasse "ao normal" nos meses seguintes. Nada que não se resolvesse em abril, ou no máximo, em maio. E a pandemia, seria apenas uma má lembrança de um início de ano conturbado.
No entanto, as ruas voltaram a ficar mais vazias um ano depois, com o aumento expressivo de casos de covid-19 e colapso nos hospitais devido ao aumento de internações. Francisco Glicério, 13 de Maio, Campos Salles, Senador Saraiva. Todas elas voltaram a ficar mais silenciosas em dias úteis e aos finais de semana, com a fase emergencial do Plano São Paulo e o toque de recolher noturno, das 20h às 5h. A sensação é de estar vivendo um 2020 ainda mais devastador, comprovado pelos números.
MUDANÇA DE ROTINA
De lá para cá, muitos sonhos foram interrompidos e rotinas transformadas. Formaturas precisaram ser canceladas, casamentos adiados e o ensino transferido do presencial para o on-line de forma abrupta. A humanidade se adaptou a essa nova rotina, mas o processo tem sido mais doloroso para uns do que para outros.
Dayane Moreira Cesar Quartieri dá aula há cerca de 20 anos. A rotina que ela conhecia era a sala de aula, com dias agitados e outros nem tanto. Essa instabilidade e o contato com os estudantes faziam parte do dia a dia da profissional.
"Sou professora e coordenadora pedagógica de uma escola em Valinhos. Antes da pandemia estava trabalhando das 13h às 22h, mas algumas vezes por semana já começava a dar aula cedo e só parava às 21h30", relembrou.
E, de repente, a lousa foi substituída por um computador. "Pessoalmente foi bem doloroso para mim, por ser professora há tanto tempo, vivia em contato com os alunos, andando pela sala de aula, sentando ao lado de um, de outro. É uma profissão que demanda olho no olho, contato. Passar disso para o on-line foi no início uma tortura".
Dayane conta que no início da mudança a preocupação maior da escola era adaptar a metodologia de ensino ao on-line, já que alguns alunos não estavam aderindo ao modelo virtual. "Eles estavam relutantes achando que seria algo passageiro e que em breve voltaríamos ao presencial".
A ideia de que seria algo passageiro não foi alimentada apenas pelos estudantes. Há um ano atrás Dayane também imaginava que a pandemia passaria em questão de meses. No entanto, sem perspectiva para o fim da pandemia, ela pretende voltar para a sala de aula apenas quando a vacinação já estiver em fase avançada.
Você viu?
"Eu esperava voltar para o presencial em abril do ano passado. Eu lembro de estar super ansiosa em cada uma das datas do possível retorno, me abastecendo de máscaras, álcool em gel, mas ao mesmo tempo muito temerosa. Hoje novamente me encontro como em março do ano passado, com medo, angustiada pelos rumos que a situação está tomando. A volta que tanto planejava cada dia mais distante".
SONHOS ADIADOS
A arquiteta Laís Resende também teve que mudar os planos. Mas, no seu caso, um muito significativo: a data do casamento. Em 24 de agosto de 2021 ela selaria sua união com Bruno Zanon, após um ano de preparo e expectativa para que tudo saísse perfeito.
No entanto, ao ver que a doença continua a vitimar pessoas em todo o país, eles decidiram adiar a data da cerimônia. "Decidimos mudar a data quando vimos que estava chegando o momento de começar a enviar os convites. A gente viu que não tinha perspectiva de melhora na pandemia e imunização da maioria das pessoas até a data do casamento. Pelo contrário, as notícias só pioraram", disse.
Apesar do sonho de entrar de noiva ter sido adiado, Laís conta que a mudança foi tranquila. "Como não tínhamos ainda enviado os convites, precisamos apenas contar para os parentes e amigos próximos que já sabiam da data. Tivemos apenas que lidar com os reajustes contratuais dos fornecedores já contratados", explicou.
O importante, segundo ela, é preservar a vida de todos, a fim de manter a lembrança de uma cerimônia feliz e longe do caos. "Tivemos que encarar que apesar de ser um momento muito importante e que estávamos planejando há tanto tempo, adiar era a melhor decisão para que a comemoração fosse ainda mais especial e com segurança para todos".
Com a campanha de imunização já iniciada, Laís e Bruno esperam, enfim, se casar em 16 de agosto de 2022. A expectativa é que a cerimônia ocorre sem notícias tão ruins da pandemia ou o medo de perder quem se ama.
SEM FORMATURA
Já a advogada Fernanda Cordeiro sonhava com a festa de formatura e poder comemorar a vitória do diploma com a família e amigos. A comemoração aconteceu, mas não da forma como ela planejava. Isso porque a festa, que havia sido organizada desde o primeiro ano de faculdade, precisou ser cancelada em virtude do aumento de casos de covid-19 em Campinas.
"Foi um choque para todos nós formandos. E, acho, principalmente para nós da comissão de formatura e os organizadores do evento. A festa já estava pronta para acontecer, com todas as contratações finalizadas. Porém, assim como em todas as áreas e setores do país, priorizamos a segurança dos formandos e de seus familiares, com rápido planejamento de suspensão do evento".
Fernanda terminou a graduação em 2019 e a festa aconteceria nos primeiros meses de 2020. "A colação foi concedida pela universidade no mês de janeiro, antecedendo o período pandêmico, ocorrendo de forma natural com todos os formandos e seus familiares reunidos". Após a cerimônia de colação, a recém-graduada comemorou a conquista em um restaurante com os familiares.
Um ano depois, ela relembra a história com pesar ao ver que a situação pandêmica tem se agravado novamente. "O sentimento é um mix de tristeza, medo e incertezas por todos os brasileiros, principalmente. O medo da doença, a falta de governança do governo federal, a crise política, a decadência e colapso do sistema de saúde, tudo isso nos causa muita tristeza e medo do futuro".
Diante de tanto sonhos interrompidos, Fernanda anseia por dias melhores. "Procuro não desanimar e acreditar que tudo isso passará. Com a chegada da vacina temos ao menos uma luz no final do túnel. Nos resta ter muita fé que de alguma forma o país sairá desta terrível situação e tudo voltará ao normal".