Um advogado de Campinas é investigado pela Polícia Civil e acusado de agredir ao menos sete mulheres nos últimos 18 anos.
As vítimas são tanto de Campinas como de outras cidades paulistas.
Desde 2004 pelo menos 11 boletins de ocorrências foram registrados contra Miguel Correa Mantilha Filho, por danos, ameaças, lesão corporal, violência doméstica e injúria.
As informações foram divulgadas pela EPTV
, afiliada da Globo que teve acesso aos boletins de mulheres de Campinas, Santos e Guarujá.
O caso mais recente foi registrado no começo deste ano, sendo uma agressão contra uma desembargadora do TRT (Tribunal Regional do Trabalho), na Baixada Santista.
"Fui espancada por quase duas horas até que uma vizinha do andar debaixo ouviu muito baixo o socorro e barulhos de vidro. Vieram três viaturas, ele abriu a porta, o soldado tirou ele de mim quando eu estava dando meu último folego e entregando minha alma a Deus, porque achei que estava morta. Fui direto pra UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e fiquei tomando morfina", relatou a desembargadora Silvia Prado.
Imagens feitas na época da agressão mostram Silvia com rosto desfigurado e na UTI após a violência.
HISTÓRICO DE AGRESSÕES
Sete mulheres diferentes denunciaram agressões do advogado ao longo dos últimos anos.
2004:
O primeiro caso foi registrado em dezembro de 2004, no 1º DP (Distrito Policial), em Campinas. O boletim diz que Miguel foi até a casa da ex-mulher para ter uma conversa, mas ela não queria atender e trancou a porta. Irado, o advogado teria quebrado os vidros das portas da sala e cozinha.
2009:
Cinco anos depois, em maio de 2009, mais um registro no 1º DP, em Campinas. A Polícia Militar foi acionada por vizinhos que ouviam gritos de socorro em uma briga de casal.
Os policiais arrombaram a porta e detiveram Miguel. A então namorada foi levada para um Pronto Socorro e internada com suspeita de fratura na costela e ferimentos em todo o corpo.
2010:
Em dezembro, já separados, mais um registro da mesma vítima. A mulher relatou que estava dentro do carro de Miguel, próximo ao Hospital Irmãos Penteados, quando foi agredida por ele, com socos no braço e na cabeça.
Ele ainda tentou impedir a mulher de descer do veículo.
2012
Dois anos depois, uma nova vítima, também moradora de Campinas. Segundo o boletim de ocorrência, cinco meses após o namoro, Miguel teria se casado com uma mulher de 55 anos.
Em uma discussão com ela, ele teria arremessado objetos pelo apartamento no Cambuí, e um deles atingiu a testa da vítima.
No depoimento, ele disse que "não tinha o intuito de agredir".
Em junho do mesmo ano, mais uma discussão com a mesma vítima, que contou que naquele dia Miguel causou uma briga, a ofendendo moralmente. Com medo de nova agressão, ela conta que pediu para que a irmã e cunhado fossem até o apartamento.
Menos de dois meses depois, mais uma discussão séria entre o casal, e o registro do terceiro boletim de ocorrência, citando que ambos ficaram feridos. Em depoimento, o advogado alegou que "sofria agressões da mulher e que dessa vez teria surtado e teria revidado".
2013
Em novembro de 2013, uma nova vítima do advogado, que foi até a delegacia de Santos e disse que namorou Miguel por um mês, mas afirmou que já tinha separado. Em uma discussão o advogado puxou ela pelo braço e arrastou, fazendo com que ela se machucasse no caminho.
2014
No Guarujá, com uma nova namorada, mais um desentendimento. A polícia foi chamada pra separar uma briga em agosto. O boletim diz que a mulher teria partido para cima de Miguel, que reagiu.
A mulher nega, dizendo que não iniciou a briga.
2015
Em fevereiro de 2015, a mesma mulher registrou um novo boletim de ocorrência contra Miguel. Em uma briga, ela diz que Miguel a ofendeu e ameaçou de morte.
"Você quer morrer? Você vai morrer agora, vai se encontrar com sua mãe, eu vou te matar", diz o relato da vítima no boletim. Depois das ameaças, o advogado teria empurrado a namorada com força, fazendo com que ela batesse a cabeça em um quadro.
Ela chamou a polícia e voltou para Campinas, para morar com familiares. O
boletim de ocorrência foi registrado na 1ª DDM (Delegacia de Defesa da Mulher).
2021
Já em fevereiro do ano passado, uma vítima diz que o homem fazia uso excessivo de bebida e ficava agressivo.
O último registro, neste ano, foi com a desembargadora Silvia.
O processo corre em segredo de Justiça.
Em nota, a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas e as DDMs de Santos e Guarujá disseram que investigam o suspeito citado pelos crimes de violência doméstica, ameaça e injúria, e que "diligências prosseguem visando ao esclarecimento dos fatos".
RELATOS DE MEDO
Em entrevista, a desembargadora contou como iniciou a relação com o advogado.
"Meu marido faleceu de um implante de coração e eu estava em depressão profunda, em cama há 10 meses. Eu encontrei ele no Facebook, começamos a conversar, e ele me lembrou muito meu marido, uma pessoa com um nível intelectual fora do normal", disse.
Ela contou de um caso de agressividade que deu indícios do temperamento do advogado.
"Faltando quatro dias para o Natal, ele do nada começou a surtar, chutar as coisas, me tranquei e peguei celular para pedir ajuda para o meu filho, para o segurança do prédio. Foi quando ele ameaçou jogar meus gatos pelo sétimo andar. Depois de tudo ele começou a chorar, se humilhar, e permiti que voltasse", contou Silvia.
A violência, no entanto, não parou, e no último caso a vítima quase chegou a óbito.
"Estávamos comemorando dois meses de relacionamento, e do nada ele começou a falar mal do meu falecido marido. Eu falei que não ia permitir que ele falasse mal de alguém que eu amei. Foi nessa hora que fui arrancada da minha cadeira de balanço, jogada de costa no chão e desmaiei", disse.
"Acordei numa poça de sangue, tive o nariz quebrado, ruptura dos maxilares, edemas pelo corpo cabeludo inteiro, tive costelas quebradas pelos chutes que ele me dava, e ao tentar levantar para reagir era novamente socada, e ele quebrava vidros no meu redor para que eu não pudesse me apoiar e levantar", acrescentou.
"Fui espancada por quase duas horas até que uma vizinha do andar debaixo ouviu muito baixo o socorro e barulhos de vidro. Vieram três viaturas, ele abriu a porta, o soldado tirou ele de mim quando eu estava dando meu último folego e entreguei minha alma a Deus, porque achei que estava morta. Fui direto pra UTI e fiquei tomando morfina", contou a desembargadora.
NÃO FOI A ÚNICA
Uma outra vítima, que não quis se identificar, também contou sobre o relacionamento com o advogado.
"Em dois anos nos separamos oito vezes por causa de agressão verbal. Era uma coisa que não sei o porquê eu perdoava e voltava", contou a mulher.
"Em dezembro de 2020, estamos fazendo churrasco, ele me obrigou a comer carne, que eu não queria, jogou um prato que cortou minha perna, marcou meu braço. Eu fui para o hospital sozinha, voltei pra casa, pedi pra que ele saísse e ai ele pediu perdão de joelhos, todas aquelas coisas", relatou, contando mais um caso de agressão.
"Outra vez eu estava na piscina na varanda e ele virou um bicho, porque achava que eu era 'afim' do meu genro. Ele me jogou no chão, puxou meus cabelos, me deu pontapé na costela que quebrou, e fui arrastada no corredor. Mas, como eu estava prevenida, deixei minha identidade e chave da porta na porta, e consegui fugir embora ele estivesse me esmurrando", relembrou.
"Eu dormia com a bengala da minha mãe da cama para me defender. A gente fica indefesa. Dois dias depois quando chegou a polícia é que vieram retirar ele da minha casa", disse.
O QUE DIZ MIGUEL E A DEFESA
Miguel foi procurado pela reportagem, e por mensagem, disse que se recorda de apenas um caso em que discutiu com uma das vítimas e ambos se agrediram, caso que gerou uma condenação.
Já sobre outros processos, o acusado disse que os processos foram arquivados e disse que "nunca agrediu uma mulher".
O advogado dele, Aparecido Delegá Rodrigues, que defende Miguel pela acusação contra a desembargadora, cita a versão do cliente.
"Não conheço os demais processos, mas ele me disse que foi inocente tanto nos outros como nesse (processo) da Silvia. Ele disse que não houve agressão de forma dele, e houve sim o contrário, mas ele no intuito de se defender e defender ela, acabou causando esses ferimentos".
Em uma postagem no Facebook, o advogado se defendeu para os amigos.
"Há cerca de um mês eu e minha ex-companheira tivemos uma desinteligência e ela, sob efeito de bebidas, perdeu o controle. Eu tentei de todas as formas contê-la para explicar o pior (...) Estou muito angustiado, nunca imaginei passar por uma situação como essa. Sou inocente, não sou um agressor, nem um psicopata, sou um cidadão de comum, de bem", diz parte do texto.
OS ORGÃOS
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) afirmou que apura todas as denúncias que chegam ao seu conhecimento, mas que as decisões de caráter disciplinar só são divulgadas após o julgamento de todos os recursos pendentes.
O TRT (Tribunal Regional do Trabalho) disse que repudia veementemente qualquer tipo de violência e que mantem o compromisso de atuar na proteção das mulheres e demais grupos sujeitos à discriminação e atos violentos. O TRT falou também que está prestando todo apoio à desembargadora do Guarujá.
Para denunciar uma agressão doméstica, é só discar o número 180.