Em um ano, de fevereiro de 2021 até fevereiro deste ano, 724 crianças que nasceram em Campinas foram registradas sem o nome do pai na Certidão de Nascimento.
O balanço foi divulgado pela Aspen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais) a pedido do acidade on Campinas
.
Segundo o levantamento, no ano passado inteiro, de janeiro a dezembro de 2021, foram contabilizadas 677 certidões de mãe solo. Já neste ano, até a primeira semana de março foram 130 nascidos sem registro de pai, sendo 53 em janeiro, 61 em fevereiro e 16 nos primeiros dias do mês de março.
O alto número de crianças sem registro de paternidade segue tendência dos últimos anos. Em 2020, foram 665 certidões apenas com o nome do pai. Em 2019, ano antes da pandemia, 702 crianças nascidas na cidade não tiveram registro de pai. Três anos antes, em 2016, 453 certidões não tiveram registro de paternidade.
NÚMERO DE CRIANÇAS NASCIDAS EM CAMPINAS SEM REGISTROS DE PAI NA CERTIDÃO:
- 2016: 453 crianças nascidas sem registro de pai
- 2017: 665 crianças nascidas sem registro de pai
- 2018: 675 crianças nascidas sem registro de pai
- 2019: 702 crianças nascidas sem registro de pai
- 2020: 665 crianças nascidas sem registro de pai
- 2021: 677 crianças nascidas sem registro de pai
- 2022: 130 crianças nascidas sem registro de pai (53 em janeiro, 61 em fevereiro e 16 no início de março)
REALIDADE TRISTE
"Essa é uma triste realidade, pois sabemos da importância do papel paterno no desenvolvimento integral da criança" disse a defensora pública Sun Yue.
Neste mês, foi realizada uma campanha para divulgar as ações de reconhecimento de paternidade em São Paulo, que são feitas pela Defensoria.
No estado de São Paulo, cerca de 5,4% das crianças registradas no ano de 2021 não possuem o nome do pai em seus registros de nascimento. Nos últimos três anos, segundo a Defensoria Pública do Estado, foram realizados mais de 2.300 testes de DNA visando o reconhecimento de paternidade.
MATERNIDADE SOLO
O abandono paterno vem junto com acumulo de responsabilidades para mães, que precisam se desdobrar assumindo a criação sozinha. Essa é a situação vivenciada por Lucineia Aparecida Pires, de 47 anos, que há quatro anos cuida sozinha da filha Heloísa Maria Pires, que tem síndrome de Down.
Luci, como prefere ser chamada, conta que se envolveu rapidamente com o pai da filha, que quando soube da gravidez deixou claro que não ia se envolver na criação.
"Nós tivemos uma relação muito rápida. Eu já tinha 42 anos, saímos uma só vez e acabei engravidando. Quando contei pra ele, ele não acreditou, questionou, me culpou e disse que não queria nenhum tipo de contato", relatou.
A gestação dela, que já era de risco por causa da idade, passou por diversas complicações. Luci conta que teve infecção, hipertensão e diabetes. Ela descobriu durante a gravidez que a filha foi diagnosticada com síndrome de Down, e teve que lidar com tudo sozinha.
"Foi muito pesado tudo. Com 36 semanas fui internada no Caism, ela nasceu de parto de emergência. Ficou na UTI enquanto eu perdi o útero. Passei por muitas coisas, tive hemorragia, ela depois passou por cirurgia no coração, e todas tomadas de decisões que tinham até risco de vida era só minha responsabilidade. Não tive ninguém pra dividir o peso, pra apoiar, eu fiquei praticamente sozinha", contou.
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CRIAÇÃO SOLO
Hoje desempregada, Luci conta que na época da gravidez tinha um bom emprego e achou conseguiria se virar sozinha com a filha. A situação mudou após ser demitida depois do período de licença maternidade.
"Ele (o pai) não queria participar e eu respeitei, mas depois ficou muito difícil e eu tive que acioná-lo. Contei sobre tudo que passamos, mas ele não respondeu. Eu tenho minha família que me ajuda, mas é a única rede de apoio. Hoje vivo de um salário mínimo, doações, é complicado", relatou.
Ela conta que por conta das dificuldades, acionou a Justiça para fazer a investigação de paternidade. Com resultado positivo para o teste de DNA, hoje ela espera pelo processo de pensão alimentícia.
SEM FAZER QUESTÃO DO SOBRENOME
Apesar da falta da presença do pai, Luci conta que a filha ainda não entende a ausência, e adotou o avô na função.
"Ela ainda não entende muito essa ausência. A falta acaba sendo suprida pelo meu pai, que é um pai figurativo pra ela. Lá na frente, mesmo quando o processo finalizar, eu não faria questão do sobrenome, porque se não existe na vida dela, não precisa existir no documento, no nome".
REDE DE APOIO
Luci faz parte do coletivo "Mãe Sol", de Campinas, que reúne mulheres que vivenciam a maternidade solo e criaram uma rede de apoio, compartilhando experiências e oferecendo ajuda umas às outras.
Idealizado pela terapeuta Egle Verissimo Darin e pela doula e enfermeira Ketib Kelian, o grupo foi criado em 2019, e tem objetivo de apoiar mulheres que passam pela maternidade sem apoio.
"O grupo surgiu em conversa com uma amiga que também é mãe solo. Eu tinha acabado de me separar, e vi que muitas coisas que achei que seriam fáceis não eram. Precisávamos ser informada sobre como é ser mãe solo, para nos preparar. Então fizemos esse grupo para ser apoio, trocar informações, experiências, ajudar nesse processo difícil", contou Egle.
O grupo atende uma média de 10 mulheres atualmente. As reuniões, que estavam suspensas por causa da pandemia, agora têm previsão para voltar nos próximos meses.
"Nas reuniões nós procuramos chamar convidados, já tivemos psicólogas, analista financeiro, advogado, terapeuta. Fazemos esses encontros com profissionais para dar dicas. Muitas mulheres não têm empregos quando se separam, e a oportunidade de trabalho é muito limitada. Muitas precisam se reerguer e nem sabem por onde começar. Além das dificuldades da criação, as mães solo enfrentam falta de políticas públicas, como escolas de tempo integral, auxílio maternidade, é complicado se virar sozinha", indicou Egle.